quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Reflexão sobre planos de saúde e médicos

1- A maioria dos pacientes que tem algum plano de saúde acham que o médico recebe seus honorários como se estivesse atendendo a um paciente particular. Um médico recebe atualmente, dependendo do plano de saúde que atenda, na média R$ 40 reais brutos por consulta. Se contarmos os impostos, o médico recebe líquido em torno de R$ 30,00 no máximo, por consulta. Sem contar que tem que atender os retornos para revisões gratuitamente. A mercantilização da medicina e a desvalorização do médico infelizmente vem deteriorando a relação médico-paciente. Quanto vale sua vida? Quanto vale o conhecimento do médico que esta te atendendo? Quanto custa o humanismo?
A impessoalidade da relação forçada pelas circunstâncias de ordem puramente econômica do tipo "só vou a médicos do meu convênio porque já pago o plano", gera uma situação constrangedora na relação médico-paciente, na qual os médicos tem que atender vários pacientes ao dia (para conseguir pagar as contas no final do mês) aumentando a rapidez da consulta e consequentemente diminuindo a qualidade do atendimento. Se levarmos em conta todo o investimento do médico em cursos de especialização, congressos, cursos no exterior , etc. , pode-se verificar que fica inviável para o médico se submeter exclusivamente as tabelas dos convênios de saúde.

2- MÉDICOS VERSUS PLANOS DE SAÚDE
Médicos que vivem da clínica particular são aves raríssimas. Mais de 97% prestam serviços aos planos de saúde, e recebem de R$ 8 a R$ 32 por consulta. Em média, R$ 20. Os responsáveis pelos planos de saúde alegam que os avanços tecnológicos encarecem a assistência médica de tal forma que fica impossível aumentar a remuneração sem repassar os custos para os usuários já sobrecarregados. Os sindicatos e os conselhos de medicina desconfiam seriamente de tal justificativa uma vez que as empresas não lhes permitem acesso às planilhas de custos. Tempos atrás, a Fipe realizou um levantamento do custo de um consultório-padrão, alugado por R$ 750 num prédio cujo condomínio custasse apenas R$ 150 e que pagasse os seguintes salários: R$ 650 à atendente, R$ 600 a uma auxiliar de enfermagem, R$ 275 à faxineira de R$ 224 ao contador. Somados os encargos sociais (correspondentes a 65% dos salários), os benefícios, as contas de luz, água, gás e telefone, impostos e taxas da prefeitura, gastos com a conservação do imóvel, material de consumo, custos operacionais e aqueles necessários para a realização da atividade profissional, esse consultório-padrão exigiria R$ 5.179,62 por mês para sua manutenção.

Voltemos às consultas, razão de existir dos consultórios médicos. Em principio, cada consulta pode gerar de zero a um ou mais retornos para trazer os resultados dos exames pedidos. Os técnicos calculam que 50% a 60% das consultas médicas geram retornos pelos quais os convênios e planos de saúde não desembolsam um centavo sequer.

Façamos a conta: a R$ 20 em média por consulta, para cobrir os R$ 5.179,62 é preciso atender 258 pessoas por mês. Como cerca de metade delas retorna com os resultados, serão necessários: 258 + 129 = 387 atendimentos mensais unicamente para cobrir as despesas obrigatórias. Como o número médio de dias úteis é de 21,5 por mês, entre consultas e retornos deverão ser atendidas 18 pessoas por dia!

Se ele pretender ganhar R$ 5.000 por mês (dos quais serão descontados R$ 1.402 de impostos) para compensar os seis anos de curso universitário em tempo integral pago pela maioria que não tem acesso às universidades públicas, os quatro anos de residência e a necessidade de atualização permanente, precisará atender 36 clientes todos os dias, de segunda a sexta feira. Ou seja, a média de 4,5 por hora, num dia de oito horas ininterruptas.

Por isso os usuários dos planos de saúde se queixam: "Os médicos não examinam mais a gente". "O médico nem olhou a minha cara, ficou de cabeça baixa preenchendo o pedido de exames enquanto eu falava." "Minha consulta durou cinco minutos".

É possível exercer a profissão com competência nessa velocidade? Com a experiência de quem atende doentes há quase 40 anos, posso lhes garantir que não é.

O bom exercício da medicina exige, além do exame físico cuidadoso, observação acurada, atenção à história da moléstia, à descrição dos sintomas, aos fatores de melhora e piora, uma análise, ainda que sumária, das condições de vida e da personalidade do paciente. Levando em conta, ainda, que os seres humanos costumam ser pouco objetivos ao relatar seus males, cabe ao profissional orientá-los a fazê-los com mais precisão para não omitir detalhes fundamentais. A probabilidade de cometer erros graves aumenta perigosamente quando avaliamos quadros clínicos complexos entre 10 e 15 minutos.

O que os empresários dos planos de saúde parecem não enxergar é que embora consigam mão-de-obra barata graças à proliferação de faculdades de medicina que privilegiou números em detrimento da qualidade, acabam perdendo dinheiro ao pagar honorários tão insignificantes. Médicos que não dispõem de tempo a "perder" com as queixas e o exame físico dos pacientes, pedem exames desnecessários. Tossiu? Raio-X de tórax. O resultado veio normal? Tomografia computadorizada. É mais rápido do que considerar as características do quadro, dar explicações detalhadas e observar a evolução. E tem boa chance de deixar o doente com a impressão de que está sendo cuidado.

A economia no preço da consulta resulta em contas astronômicas pagas aos hospitais, onde vão parar os pacientes por falta de diagnóstico precoce, aos laboratórios e serviços de radiologia, cujas redes se expandem a olhos vistos pelas cidades brasileiras. Por essa razão, os concursos para a residência de especialidades que realizam procedimentos e exames subsidiários estão cada vez mais concorridos, enquanto os de clinica e cirurgia são desprestigiados.

Aos médicos, que atendem a troco de tão pouco, só resta a alternativa de explicar à população que é tarefa impossível trabalhar nessas condições e pedir descredenciamento em massa dos planos que oferecem remuneração vil. É mais respeitoso com a medicina procurar outros meios de ganhar a vida do que universalizar o cinismo injustificável do "eles fingem que pagam, a gente finge que atende".

O usuário, ao contratar um plano de saúde, deve sempre perguntar quanto receberão por consulta os profissionais cujos nomes constam da lista de conveniados. Eu teria medo de ser atendido por um médico que vai receber bem menos do que um encanador cobra para desentupir o banheiro da minha casa. Sinceramente.

Texto publicado pelo Dr. Drauzio Varella no jornal O Globo.

Resolvi postar esse texto não tão somente por ser médica, mas por também ser paciente COM plano de saúde. É uma boa reflexão e para quem ainda não sabe dia 7 de março será o dia nacional de paralisação dos médicos que atendem plano de saúde.

Quanto à mim, não atendo plano há algum tempo. Todo dia tem paciente que liga perguntando lá na clínica e por isso resolvi fazer esse post de maneira a esclarecer bem os porquês. Do jeito que está é impossível. Só se mudar. A propósito, em muitos Estados o médico PAGA para ser credenciado e é um valor muito alto, sabiam? É uma vergonha!E é mais um motivo para eu não me submeter.


4 comentários:

  1. Vc conseguiu resumir exatamente as perspectivas e a insatisfação dos lados...
    Já passei por diversas situações chatas com médicos e planos de saúde e fico achando que a falta de respeito está se espalhando pelas classes mais importantes.
    Hj o piso salarial dos professores de ensino fundamental por 40 horas semanais foi para Mil cento e quarenta e alguns quebrados e eu posso te dizer que tbm teria medo de ser educada por alguém "que vai receber bem menos do que um encanador cobra para desentupir o banheiro da minha casa. Sinceramente."

    Beijos e obrigada sempre pelos posts conscientes.

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  2. Outra classe que infelizmente é muito desprestigiada no país: a de professores...

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  3. Muita coisa tem e deve ser mudada; né?
    Precisamos de formadores de opiniões como voc~e
    Parabéns!

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  4. Estou aqui pela segunda vez te visitando e devo dizer,fiquei impressionada com o desprestigio dos planos de saude embora eu pague plano quando não tem o medico competente e profissional no meu plano eu pago por fora ,mais nem todos podem fazer isto.
    A primeira vez que escrevi no seu blog foi sobre a miha filha que tem psoriase tem algum site esclarecedor sobre a psoriase ? Aguardo a tua visita e Boas Vibrações para vc...

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